Circo Voador

15 abr 2016
23:00
Rio de Janeiro – RJ

Release

Clarice Falcão chega ao Rio de Janeiro dia 15 de abril com o show de lançamento do CD "Problema Meu".

Data: 15/04/2016 (sexta)
Local: Circo Voador
Horário: 22h
Classificação etária: 18 anos (de 14 a 17 anos somente acompanhado de responsável legal)
Realização: Superlativa Eventos & Filmes

VENDAS ABERTAS!
Online: goo.gl/7jLJ0N
Bilheteria do Circo Voador: terça a quinta, das 12h às 19h; sexta, das 12h à meia-noite; sábado, das 14h à meia-noite

Quando conversei com Clarice Falcão pela primeira vez, o assunto era “Monomania” (2013), o álbum de estreia da cantora, compositora, escritora, atriz e roteirista pernambucana lançado poucos meses antes. Aquele era um trabalho bem fora do padrão, pois tinha sido criado sob os olhos do público, na frente da câmera, com repertório já consagrado em uma série memorável de vídeos em plano-sequência, hits absolutos na internet. Quem comprou o CD físico na loja sabia muito bem o que estava levando pra casa e já adorava aquelas faixas antes mesmo de passar pela fila do caixa. Nasceu um tiro certo, sem chance de falha. Talvez por isso mesmo, minha curiosidade naquela conversa inicial pulava dez casinhas adiante e tentava investigar qual seria o próximo passo. Quem seria a Clarice do segundo álbum? Será que suas canções seguiriam como roteiros com começo, meio e fim, misturando crônica de costumes, cinema existencial, quadrinhos e sitcom, naquela mesma linguagem que se tornou uma assinatura tão intransferível? Será que também testaria o novo repertório com vídeos? E a personagem que iluminava as canções antigas, será que continuaria tropeçando no amor, obcecada pelo amado, perdida entre o mundo real aquele que ela queria que fosse? Em suma, com quais armas Clarice lutaria contra o acerto absoluto que foi seu primeiro disco, já que seguir fazendo música depende de jogar fora toda manhã o que foi conquistado no dia anterior? Todas as respostas chegam agora, três anos depois, nas 14 faixas de “Problema Meu”.

Pra começar a conversa, é preciso contar que a personagem principal das canções inverteu o jogo a favor dela e já não sofre mais. Ao contrário, ri da cara daquele homem tolo que acreditou que o amor descompensado que ele recebia valia alguma coisa. “Só de pensar que cê pensou que era sério, falando sério, eu quero rir.” Na real, ela gosta dele “como quem gosta de um vídeo no Youtube de alguém cantando mal”, “de um perfil no Facebook que usa foto de casal”, Clarice afirma já na faixa de abertura do disco, “Irônico”. E a ideia parece ser essa: olhar “Monomania” pelo espelho e ver a mesma história acontecer outra vez, mas do avesso, como um tipo de amor dando errado ao contrário, uma vingança a que todos temos direito, ou achamos que temos nesses momentos possível volta por cima. Se a menina de “Monomania” fingia não se lembrar mais do namorado que lhe deu um pé em “Eu Esqueci Você” (“E se um dia eu te ligar de madrugada em desespero é engano”), a de “Problema Meu” deixa claro, em “Eu Escolhi Você”, que só ficou com o rapaz porque não tinha outra opção, pelo menos “até um outro aparecer” (“Na minha vida já existiram/ 50 opções de amor/ 49 desistiram/ E você foi o que sobrou”). Em “Deve Ter Sido Eu”, do disco novo, ela já não sabe mais “a placa do seu carro”, ao contrário da obsessiva de “Macaé”, do trabalho de estreia, que já decorou “seu RG só pra se precisar”. E se antes ela pedia coisas do tipo “me deixa ser o suporte que segura a tela plana da sua sala no lugar” (“Qualquer Negócio”), agora ela diz que nasceu “pessoa, gente, eu não nasci coisa, não me espere aí na sua estante” (“Eu Sou Problema Meu”). Bem, dá pra notar logo que, mesmo trabalhando pelo espelho, Clarice Falcão mantém seu estilo intacto. Como também aprofunda aquela ironia finíssima que até confundiu muita gente no passado, que ouvia em suas canções rompantes de “fofura” que nunca existiram de fato. Agora que a casa caiu e o ponto de vista da personagem virou, fica bem claro o quão redutor era esse rótulo, aliás.

Há recaídas, claro. Tirada do baú não gravado em “Monomania”, “Se Esse Bar” segue o espírito da menina de antes, com aquela voz de esperança que nunca morre pedindo ao garçom que não feche o bar, coitada: “Eu sei que eu marquei às dez/ E eu sei que já são seis/ Mas vai que ele se atrasou e quando ele chega eu já fui/ E a culpa é de vocês”. Outro exemplo é a metalinguística “Duet”, também antiga, do tempo em que Clarice Falcão compunha apenas em inglês. A voz tristonha conta que aquela música foi composta pra ser cantada em um dueto, mas como o rapaz foi embora, ela vai ter que dar conta de fazer as duas vozes com uma garganta só. “Vinheta” é uma pegadinha, pois apenas finge outra recaída assim. Começa com a garota ansiosa ao lado de um telefone que não toca, esperando um email que não vem. Mas, em seguida, ela tem um surto de autoestima e conclui (“deseja” talvez seja o verbo melhor) que só pode ter acontecido alguma coisa: talvez tenha sido “atropelado e levantou cambaleante e deu de cara com um poste e quebrou 14 dentes e aí foi assaltado por três caras gigantescos e na hora de sair foi atropelado novamente e acordou com amnésia e num hospital distante”. Se não me liga no segundo dia é porque morreu, claro.

Nem tudo em “Problema Meu”, no entanto, foi construído com a intenção de desmentir (ou reiterar) o passado. Algumas faixas foram escolhidas em outras fontes e por razões estritamente estéticas, segundo afirma Kassin, produtor musical do álbum. Entre elas está “I’ll Fly with You”, pescada pela cantora entre os greatest hits de sua adolescência principalmente pela beleza da melodia. A canção, lançada pelo DJ italiano Gigi d’Agostino em 2000, perde a batida electropop dançante da versão original pra se tornar uma balada melancólica. Outro caso assim é “Banho de Piscina”, que veio do baú do pai de Clarice, o diretor e roteirista João Falcão. Deliciosamente rancorosa, a música foi escrita por ele quando tinha a idade que a filha tem agora, talvez ainda um pouco antes. Os versos dizem coisas como: “Eu quero ver você/ Numa piscina de óleo fervendo/ Pedindo socorro e eu te oferecendo/ Uma dose de rum pra você se esquentar”. Já a última das faixas de “Problema Meu” assinada por outros compositores, “A Volta do Mecenas”, de Matheus Torreão, abre o leque temático, lembrando que nem todos os problemas dessa vida são derivados do cotidiano amoroso: “A cada nova década aumenta a decadência/ E quem é que toma as divinas providências/ Eu não tenho pressa, mas me falta paciência”.

As três canções alheias ampliam a área de atuação de Clarice Falcão como artista. Mas não há dúvidas que é o repertório autoral que dá o brilho e a identidade tão peculiar de “Problema Meu”. “Vagabunda”, a mais surpreendente entre todas as canções do disco, foi inspirada em caso real. Clarice ouviu a história de um amigo, cujo pai tinha outra família fora do casamento. Quando a mãe descobriu a situação, convidou a amante do marido pra um jantar. Entenderam-se muito bem, as duas. E, na hora de pagar a conta, a esposa oficial puxou o cartão de crédito: “Pode deixar que essa ele vai ter que pagar pra gente”. O discurso em versos esculpido por Clarice escapa tanto do lugar comum que nos leva às melhores letras de Odair José: “Toma um chope comigo, vagabunda, que eu seu a vagabunda que eu sou/ Repara que conexão profunda de ter compartilhado um mesmo amor”. A autora diz que a letra é também uma reação à cultura do recalque que domina o pop brasileiro (aquela que deseja às inimigas vida longa etc.). Clarice reverte e transcende o papel da “outra” em seu roteiro: “Me dá seu telefone, inimiga/ Que é só você que vai compreender/ Aquela agonia na barriga/ Me liga que eu tô que nem você”.

A presença de Kassin foi fundamental pra dar diversidade musical ao disco. Se “Monomania” era quase todo acústico e monocromático, sem grandes ondulações rítmicas, “Problema Meu” é um furacão de gêneros. Há rock (“Volta do Mecenas”), brega (“Banho de Piscina”), folk (“Clarice”), balada (“I’ll Fly with You”), bossa nova (“Duet”), disco music (“Era uma Vez”) e muito mais. A banda arregimentada por ele junta dois meninos talentosos da nova geração carioca: Diogo Strauss (guitarra, baixo, violão) e Danilo Andrade (teclados). O próprio Kassin toca alguns baixos e a maior parte das baterias é do português Fred Ferreira, conhecido de nós brasileiros por integrar a Banda do Mar. Os arranjos de metais foram feitos por Alberto Continentino e os de cordas, por Sean O’Hagan.

Ainda sobre diversidade musical, o disco termina com a (suposta) autocrítica “Clarice”. E o “suposta” fica entre parênteses porque, como sabemos, estamos em um terreno banhado em ironia, numa sala de espelhos que embaralha passado e presente, real e imaginário, nós mesmos e os outros. E talvez essa seja só uma resposta da artista a quem, nos últimos tempos, criticou a simplicidade de suas composições. “Clarice, sempre os mesmos três acordes/ Olha, um si bemol não morde/ Não precisa poupar dedo/ É medo de gastar.” É um belo toque em quem ainda não entendeu a faceta mais exuberante de Clarice Falcão: erguer em três acordes a vida inteira dos seus personagens, compor narrativas surpreendentes sem lançar mão de mais do que o necessário, como me definiu outro dia o mestre da canção Luiz Tatit, outro criador de personagens igualmente atrapalhados no amor, que também nunca são condenados por ele à mediocridade simplista do final feliz ou infeliz. Nisso, vejo um parentesco entre ele e Clarice. Tatit também vê, ele me disse. E, reforçou, o número de acordes jamais determinou grandeza em música popular.

Escrevendo isso agora, eu me lembrei também da definição que Tom Zé sempre dá à própria produção. Por não ser um músico exuberante (ele gosta de fingir que não é), entende que seu melhor caminho é pegar o ouvinte pelo cognitivo, não pelo contemplativo. Ou seja: em vez de se apoiar em melodias e harmonias ultraelaboradas que atinjam o espírito de quem escuta com uma flecha, suas canções criam histórias que pescam os ouvidos pelo cérebro, jogando anzóis pela via da identificação, pelo que todos nós reconhecemos nelas como reflexo de nossas vidas. E, vamos confessar, todos nós já estivemos perto de situações como as que Clarice descreve em suas canções. Já fomos aquela figura que fica “só mais um pouquinho” no bar esperando alguém que nunca virá. Mesmo que muitas vezes tenhamos arrumado um jeito de disfarçar esse ridículo até de nós mesmos. Vivendo as mesmas histórias outra vez, mas viradas do avesso através de um espelho, por exemplo.

MARCUS PRETO
janeiro de 2016

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